quarta-feira, 25 de julho de 2007

Cresceu com um único sonho: ser cientista. Não sabia exatamente como seria, nem o que faria. Sabia que queria usar um jaleco branco de mangas compridas e trabalhar com tubos de ensaio cheios de líquidos borbulhantes e coloridos. Ouviu falar de um tal DNA e decidiu que queria trabalhar com ele. Ácido desoxiribonucléico. Devia ser interessante.

Diziam que era capaz de armazenar todas as informações de cor dos olhos, cabelos e pele; formato do rosto; altura; várias doenças, basicamente tudo sobre uma pessoa. E aprendeu que fazia tudo isso com apenas quatro letras - ATGC. Quando contaram que era possível fazer cópias de pedaços de DNA e sequenciá-lo, acreditou. Quando saiu do colégio já se considerava íntima, sabia que era formado por uma cadeia de um açúcar de cinco carbonos, uma base nitrogenada e um fosfato. Não que isso realmente lhe dissesse alguma coisa...

Na faculdade sofreu com o famigerado "mapa diabólico" nas aulas de bioquímica, mas a complexidade só aumentou seu fascínio. Gostava de coisas crípticas que precisavam ser desvendadas. Logo começou a abrir mão da maior parte do seu tempo livre pela chance de ficar em sua companhia no laboratório. Deliciou-se nas aulas de genética e adotou bactérias roxas como fonte do precioso material (que na verdade, quando podia ser visto, não passava de um projeto de gosma branca no fundo de um tubo.

Se as coisas já não iam muito bem com as extrações de DNA que insistiam em não funcionar, as PCRs só pioraram tudo. Elas deveriam ser o procedimento mais banal da biologia molecular, mas mais pareciam magia. Primeiro por que consistiam basicamente em misturar quantidades ínfimas, quase invisíveis de "água" e colocar numa máquina que esquentava e esfriava. Segundo, por que a coisa nunca parecia funcionar e cada um tinha a sua mandiga.

Quando uma colega perguntou na aula de BioMol a finalidade de um ingrediente aparentemente inerte, a professora mais séria que teve na faculdade respondeu: "Bruxaria. Ninguém sabe ao certo o que faz, mas depois que começaram a usar isso no meu laborátório o rendimento das PCRs aumentou muito e as que não funcionavam passaram a funcionar." Um amigo confessou que durante muito tempo as suas só funcinavam nas sextas-feiras à noite. Outra, que acendeu uma vela sobra a máquina de PCR e tudo começou a funcionar direito, depois de quase um ano de tentativas frustradas. Uns achavam necessário fazer companhia à máqina e até lhe contar histórias... Outros juravam de pé junto que elas gostavam mesmo era de solidão e que só funcionavam se não houvesse ninguém por perto.

Deve ter sido aí que a magia começou a se desfazer. Toda a graça da ciência sempre fora a certeza, a reprodutibilidade, a racionalidade. Aceitar que algo interferia num experimento sem que houvesse qualquer motivo para isso e não investigar a causa da interferência era simplesmente errado. E aceitar resultados que foram obtidos uma única vez, mas que ninguém nunca mais conseguiu repetir, também.

Então começaram os seqüenciamentos. Que também não gostavam de funcionar. Foram os DNAs de morcegos que foram seqüenciados e que o BLAST disse que eram DNA de humanos, golfinhos ou rinocerontes da Sumatra, tudo isso bem longe do mar ou da Ásia, que acabaram com tudo. Como seria possível que o DNA de animais quase extintos da Ásia fosse tão facilmente confundido com o de morcegos com os quais não tinham qualquer proximidade filogenética ou geográfica? Perdera a fé naquela ciência e teve que sair de lá correndo para não começar a chorar enquanto seu mundo desabava em seus pensamentos.

2 Letras:

Luiz Madeira disse...

Quase uma aula de biologia isso. E aquele mapa é realmente diabólico, meu deus.

Mas eu achava que o barato da ciência era quebrar essas bruxarias e transformá-las em certeza.

Anderson Lucarezi disse...

Olha, eu não sabia q a Biologia cometia gafes assim.