domingo, 29 de julho de 2007

Seria o primeiro casal da turma a se casar. Igreja cheia e enfeitada. Muitos rostos conhecidos e outro bocado que nunca vira antes. Era isso, estavam entrando na "vida adulta". Aquela turma dos tempos de colégio agora já contaria com pessoas cujo estado civil em instantes passaria de solteiro para casado.

O noivo parecia nem conseguir respirar direito, tamanha a tensão do momento. A noiva se segurava para não chorar. Não podia borrar a maquilagem. Os casais de madrinhas e padrinhos, obviamente seguravam-se para não rir da cara de tensão dos amigos. Certas coisas ainda demorariam para mudar, se é que algum dia mudariam. Quando o padre finalmente falou que podiam se beijar, foi quase como se a noiva fizesse respiração boca-a-boca no recém marido que ainda parecia ter dificuldades para respirar.

Todos saíram da igreja para a parte mais importante. A festa. Dança, conversa e bebida. Quando estariam todos juntos assim novamente? Aquelas pessoas que conhecera por apelidos muitas vezes toscos em tempos que já queriam parecer imemoriais frente às mudanças que vinham acontecendo agora eram engenheiros, advogados, dentistas, administradores, psicólogos, publicitários e terapeutas ocupacionais. Um ia virar padre. Outros iam trabalhar em outra cidade. Um resolveu começar outra faculdade, enquanto outro já estava beirando o jubilamento.
Naquele instante eram simplesmente bons amigos reunidos celebrando. Que importava o que viria depois? Ali não importava nada.

De repente a diversão fui interrompida por que a noiva bebeu demais e estava passando mal. Precisava que alguém cuidasse dela. Saiu carregada da própria festa. E foi quando soube que tudo continuaria bem. Certas coisas, nem o casamento mudaria.

quarta-feira, 25 de julho de 2007

Cresceu com um único sonho: ser cientista. Não sabia exatamente como seria, nem o que faria. Sabia que queria usar um jaleco branco de mangas compridas e trabalhar com tubos de ensaio cheios de líquidos borbulhantes e coloridos. Ouviu falar de um tal DNA e decidiu que queria trabalhar com ele. Ácido desoxiribonucléico. Devia ser interessante.

Diziam que era capaz de armazenar todas as informações de cor dos olhos, cabelos e pele; formato do rosto; altura; várias doenças, basicamente tudo sobre uma pessoa. E aprendeu que fazia tudo isso com apenas quatro letras - ATGC. Quando contaram que era possível fazer cópias de pedaços de DNA e sequenciá-lo, acreditou. Quando saiu do colégio já se considerava íntima, sabia que era formado por uma cadeia de um açúcar de cinco carbonos, uma base nitrogenada e um fosfato. Não que isso realmente lhe dissesse alguma coisa...

Na faculdade sofreu com o famigerado "mapa diabólico" nas aulas de bioquímica, mas a complexidade só aumentou seu fascínio. Gostava de coisas crípticas que precisavam ser desvendadas. Logo começou a abrir mão da maior parte do seu tempo livre pela chance de ficar em sua companhia no laboratório. Deliciou-se nas aulas de genética e adotou bactérias roxas como fonte do precioso material (que na verdade, quando podia ser visto, não passava de um projeto de gosma branca no fundo de um tubo.

Se as coisas já não iam muito bem com as extrações de DNA que insistiam em não funcionar, as PCRs só pioraram tudo. Elas deveriam ser o procedimento mais banal da biologia molecular, mas mais pareciam magia. Primeiro por que consistiam basicamente em misturar quantidades ínfimas, quase invisíveis de "água" e colocar numa máquina que esquentava e esfriava. Segundo, por que a coisa nunca parecia funcionar e cada um tinha a sua mandiga.

Quando uma colega perguntou na aula de BioMol a finalidade de um ingrediente aparentemente inerte, a professora mais séria que teve na faculdade respondeu: "Bruxaria. Ninguém sabe ao certo o que faz, mas depois que começaram a usar isso no meu laborátório o rendimento das PCRs aumentou muito e as que não funcionavam passaram a funcionar." Um amigo confessou que durante muito tempo as suas só funcinavam nas sextas-feiras à noite. Outra, que acendeu uma vela sobra a máquina de PCR e tudo começou a funcionar direito, depois de quase um ano de tentativas frustradas. Uns achavam necessário fazer companhia à máqina e até lhe contar histórias... Outros juravam de pé junto que elas gostavam mesmo era de solidão e que só funcionavam se não houvesse ninguém por perto.

Deve ter sido aí que a magia começou a se desfazer. Toda a graça da ciência sempre fora a certeza, a reprodutibilidade, a racionalidade. Aceitar que algo interferia num experimento sem que houvesse qualquer motivo para isso e não investigar a causa da interferência era simplesmente errado. E aceitar resultados que foram obtidos uma única vez, mas que ninguém nunca mais conseguiu repetir, também.

Então começaram os seqüenciamentos. Que também não gostavam de funcionar. Foram os DNAs de morcegos que foram seqüenciados e que o BLAST disse que eram DNA de humanos, golfinhos ou rinocerontes da Sumatra, tudo isso bem longe do mar ou da Ásia, que acabaram com tudo. Como seria possível que o DNA de animais quase extintos da Ásia fosse tão facilmente confundido com o de morcegos com os quais não tinham qualquer proximidade filogenética ou geográfica? Perdera a fé naquela ciência e teve que sair de lá correndo para não começar a chorar enquanto seu mundo desabava em seus pensamentos.

segunda-feira, 23 de julho de 2007

Estava em casa. Tudo parecia calmo. Calmo demais, na verdade. Devia ter percebido o prenúncio do que viria pela frente. O tempo foi passando arrastado até que o telefone tocou. Ouviu a voz de choro do outro lado e soube o que ocorrera, mas ainda sim, precisou perguntar. Precisava ouvir, ou não pareceria real. O que aconteceu? - disse. Eu preciso de você. - ouviu por entre as lágrimas. Sem pensar direito no que fazia juntou suas coisas e foi. Já estava do lado de fora da porta, quando se lembrou da barra de chocolate. Serotonina e endorfina sempre ajudam nessas horas. Correu até o balcão e pegou o doce (que na verdade era meio amargo, como gostavam) e guardou na bolsa. Não sabia bem o que esperar, o que diria nem faria ao chegar, apenas entrou no carro e dirigiu desesperadamente ao lugar em que nunca antes estivera. E deveria ter estado várias vezes por outros motivos, mas simplesmente nunca fora lá. Buscou uma vaga para seu carro. A tensão já era tal que mal conseguia manobrar. O mais difícil era controlar a embreagem, tanto que lhe tremiam os pés. Estava lá, mas não sabia bem para onde ir agora que chegara. Pegou o telefone e ligou, esperando instruções, mas principalmente que sua suspeita fosse falsa. Vou aí te buscar - disse a voz no telefone. As portas do elevador se abriram, seu olhares se cruzaram. Logo se abraçaram e começaram a chorar. E não foi preciso dizer mais nada.